sábado, 5 de febrero de 2011

Educar-se educando en uma vila argentina (art original del livro editado por EdUFSCar)


Angelica Cores[1]

Brasil entero me abraza desde un mundo casi siempre virtual.
Agradezco a todos la compañía que han significado en mi solitaria búsqueda de una salida para poder hablar un idioma amoroso universal.
Con vcs construí la madurez que me permite estar con los Otros, aquellos con quienes comparto el cotidiano andar, lleno de alegrías y tremendas desilusiones.
El camino de autenticidad que elegí es duro.
Tengo deudas con todos.
Con los más sabios
los más institucionales
los más tiernos
los más inocentes.
Unida a los mejores luchadores por la salud popular de Brasil, tengo el honor de sentirme latinoamericana.
¡Que este sea un encuentro también con la belleza![2]

Angélica Cores


Eu sonhava em pôr um sorriso na face de todas essas meninas que como eu, tiveram uma infância triste. Meu pai faleceu quando eu tinha 9 anos, filha única. Para mim ser criança, era não ser adulta. O dia em que entrei pela primeira vez, em 1973, em uma vila (favela) de Bajo Flores em Buenos Aires, me reconheci nestas carinhas melancólicas de olhos desconfiados. Ali, soube que a infância, às vezes, é ser adulto antes do tempo. As meninas, quem sabe,. adivinhando seus "destinos fatais" em “becos de pecado” (vida de putas, como dizen os “machos”), sonhavam ser puras como uma virgen;” a Maria”, cheia de graça, corpo e alma intactos (eu conheci a vila como catequista católica).

Por isso, mais tarde, enquanto docente universitária, quis dar a meus alunos de medicina de um projeto de extensão, um pouco dessa sabedoria: descobrir que dentro de toda mulher se encontra uma luz poucas vezes acesa, algo que somente se faz com“o fósforo do amor”. Tive sorte com os alunos. Nem todos os trabalhadores do setor saúde se entregam às tarefas como os membros daquele grupo. Primeiro fomos nos conhecendo. Nós entre nós mesmos e logo nós com “eles”. “Eles” vivem em terrenos da Cooperativa de Habitação San Sebastian, um loteamento popular, que se formou para eliminar uma área de posse ilegal. As habitações são precárias, há água potável e eletricidade, mas não há esgoto. É um bairro afastado de centro, vizinho a uma organizacão de atencão a pessoas que usam drogas, um estádio municipal e um hospital público de alta complexidade. Contarei esta história em três partes: a entrada no mundo dos excluídos – despossuídos, os dados numéricos que se coletaram e a tarefa: educar-se educando.

O tinkunaku é uma cerimônia que tem tradicão nas culturas andinas (império incaico, Machu Pichu). Neste caso, sofreu a renovação histórica que lhe deu em 1973, Orlando, o padre da vila, que mais tarde foi vítima da repressão (embora o exílio tenha salvado sua vida) da ditadura militar que se produziu na Argentina de 1976 a 1984. A ditadura originou os 30.000 desaparecidos, estes que reclamam as conhecidas mães da Praça de Mayo com seus lenços brancos. Orlando dizia:

“- Há que aproximar-se com prudência. As pessoas sabem que nosso poder tem pai (Deus) mas também tem padrinhos (a igreja e seus sócios da “direita”) e que se há “alteracão da ordem” nós nos salvamos e eles sofrem martírio”. “Há que ser suave para não só entrar nos ranchinhos, mas em seus corações”.

Como ele se equivocou!!! Nós, os militantes fomos os perseguidos. “Eles”, por suas ideologias de custo-benefício, sobreviveram. Os excluídos, ou melhor, os despossuídos, não são somente pobres, mas têm uma forma de viver próxima do delito, segundo a lei vigente. Buscam proteção. Seus padrinhos não são mais tão honrados. Assim é que o risco foi e é grande para os militantes que não interagiam bem naquele território. Em uma vila, ainda que não tivéssemos consciência da situação, chegávamos em nossa busca de fé. Fé na vida, que a vida tem chance de ganhar e que afinal, a vida sempre ganha... Por isso é enganosa qualquer proposta meramente teórica. O estilo custo/benefício do okupa[3] não deve ser superficialmente interpretado por estudantes, sem a noção de que estes sujeitos foram sempre prejudicados. Isto porque nasceram em uma condicão social desfavorável, são a clase baixa. “Ele”, o “vileiro” é um oprimido em essencial. Um alerta! Toda pessoa que decide realizar uma intervencão “técnica” em um território humilde ou miserável, o primero que deve fazer é “baixar-se do cavalo” da arrogância e ser generoso: “Estar al pié[4]”.

O grupo de estudantes de medicina do módulo clínico, quase médicos, era um grupo de condicão social diversa. Maria Inês, de 26 anos, que preferia a nutricão à medicina, é casada e tem um bebê. Não trabalhava e vivia com a sogra em Neuquén, capital da província. Diferente de Patrícia, que era uma enfermeira especialista em neonatologia e trabalhava à noite, para poder estudar, de dia. Vivia en Cinco Saltos (a 30 quilômetros do trabalho e da faculdade). Os outros quatro, dois casais, eram estudantes que viviam com os pais em Centenario (Neuquén). E eu, a médica, profesora não tradicional, flexível, tinha propostas novas e firmes na luta pela semeadura de futuros melhores.

Começamos a tarefa, tendo como referência o Programa Auto CPG[5]: Gestão para a Saúde no assentamento precário San Sebastián. Alertava sempre, no campo, o que havia definido em aula: também é missão do setor saúde, perante a crise social, devolver às pessoas ou às comunidades a confiança em si mesmas, como atores na construção de suas próprias vidas. Também é importante diminuir, com nossos trabalhos, a diferença entre as pessoas que recebem atenção médica e as que não recebem, utilizando uma tecnologia apropriada à desigualdades.

Assim, com confiança, os ”chicos” (assim, nós, da equipe docente chamamos a todos os que têm menos experiência), se apresentaram à comunidade e disseram o que vinham fazer: cumprir com um trabalho universitário, compartilhando o que haviam aprendido até aquele momento. Um aprendizado útil para que a comunidade tivesse bem estar, para que aprendessem sobre alimentos e como poderiam fazer comidas saudáveis para a familia. Como poderiam fazer para que seus filhos mantivessem a saúde, para que não contraíssem enfermidades que pudessem ser evitadas. Também, para que seus mascotes fossem tão saudáveis como os membros da família. Descobrimos que os alunos de medicina eram da mesma idade que os moradores. No entanto, os moradores da região de “posse” desordenada eram mais adolescentes. Embora alguns problemas de estudantes e moradores não mostrassem grandes diferenças, obviamente, os habitantes de San Sebastián tinham menos recursos (materiais, intelectuais, etc.). Eles já são, hoje, novas famílias, parte do futuro que constroem. Não necessitam “educar-se” para serem emancipados e sabem que todos somos cativos do mesmo sistema capitalista.

Os alunos começaram a trabalhar em jornadas de fim de semana. Já se sabia, desde o primeiro momento, que aquela tarefa não tinha horários. As ações se realizariam quando alunos e moradores coincidissem em tempo e lugar para compartilharem. Assim, os moradores do bairro, sem nenhuma atitude agressiva que os alunos esperavam, receberam o grupo em suas casas e colaboraram com a pesquisa. Naquele momento, sim, os estudantes iriam submergir no mundo dos piqueteros, esses “tipos” que incomodavam, que faziam barreiras e não deixavam seus automóveis cruzarem as pistas. “Vão embarrar-se” (como dizia Monsenhor Angelelli que foi morto em La Rioja, em 1977, por seu compromisso social). Os estudantes puderam conhecer os moradores de maneira profunda. Sentiram, pela primeira vez, o nauseabundo aroma do poço de latrina. Também, possivelmente, “cochicharam malícias” quando, por detrás das delgadas paredes das casas, escutaram os suspiros dos moradores, fazendo amor. Ou, impotentes pelo medo, certamente calaram ao escutarem as chicotadas de algum marido que chegava bêbado e brigava com a esposa ou com a filha, porque elas não “serviam” para trabalhar…

Lindos meus alunos se foram “al pié” dos moradores da cooperativa. Mas a “conversão”de que Victor Valla nos fala é muito difícil quando compartilhamos um curto espaço de tempo. E os moradores se reuniram em uma casa de uma única peça para mostrarem aos alunos um filme sobre suas lutas, confeccionado por eles (em aparelhos recentemente presenteados pelo governo):

…A noite da posse massiva de terrenos de uma empresa
…A dura vida sem água e sem luz
…A “corrida repressiva” do governo
…As negociacões
…A compra a preço justo de terrenos disponíveis
…A mudança do atual Bairro San Sebastián, tudo feito com suas próprias mãos e um caminhão emprestado.

Na época, já estava tudo legalizado e ordenado para gestões administrativas. Havia uma casa de ladrilho que compraram e onde funcionava o salão comunitário e as oficinas da Cooperativa de Habitação San Sebastián. O restante das casas eram de diferentes formas. Havia desde uma peça que alojava vários membros de uma família até pequenas casinhas bem terminadas que alojavam homens, geralmente. No total eram 100 terrenos, onde viviam 100 famílias. Por grupo etário, podia se ver una pirâmide de população sem anciãos e com poucos nascimentos, ou seja, com maior parte dos habitantes de 6 a 40 anos. Dos adultos, havia uma considerável população“panzona[6]”. O índice de desocupacão era 17%. Havia 46% de empregados; 26% de donas de casa e 11% viviam de subsídios estatais.

As atividades programadas e realizadas naquela experiência: reuniões, desenho de planilha de registro (censo), rondas domiciliares, elaboração estatística segundo as normas da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), pôster para a C.A.E.M. (Conferencia Argentina de Educacão Médica) apresentado como trabalho final para toda a Argentina (2006). Ainda, visitas a rádio FM 91.1, mural comunitário, conversas grupais e individuais informativas à população, distribuição de folhetos, atencão à população canina (higiene e vacinas), formulação de projeto de rádio comunitária com um grupo de alunos da Faculdade de Comunicação Social e Direito, da Universidade Nacional de Comahue.

Uma breve síntese dos objetivos da experiencia e de seus conteúdos. Objetivo ecológico: orientar o cuidado do entorno mudando o critério de controle pelo de convivência, criar conciência do cuidado com o meio ambiente, criar espaços verdes em lixões ou terrenos baldios, preservar o entorno da contaminação desnecessária. Objetivo educativo: educação popular para a segurança alimentar, solidariedade territorial norte/sul - rural/urbana, o critério orgânico de relação com a terra e as pessoas.
Objetivo de saúde: facilitar a melhoria da qualidade de vida com uma cultura de hábitos sanitários saudáveis, especialmente en Nutrição e Saúde reprodutiva, realização de cursos de alimentação e saúde ambiental, educação popular em todos os programas de saúde protocolizados, assessorar nas atividades referidas ao melhoramento nutricional da população. Objetivo agronômico: favorecer a auto-produção de alimentos a escala familiar e comunitária, promover a agricultura orgânica familiar e comunitária intensiva, criar um grupo solidário com assessor técnico referente a agricultura orgânica.
Objetivo socio-económico: geração de atividade econômica para um desenvolvimento local econômicamente sustentável. Uma economia social que permita usar menos de 50% de produção familiar na alimentação.

Trabalhamos unidos e coordenados, em jornadas muito diversas. Isso porque, às vezes, se programavam atividades e as situações cojunturais mudavam. Todos nós nos alegramos em poder cumprir com o proposto e todos saímos ganando, pois criamos um grupo de amigos que permanece até hoje e contrói apoios nas boas e nas más horas. Somamos a nossas cordiais e apaixonadas reuniões, meus filhos Laura, 26 anos, hipoacúsica que se integrou ao projeto de rádio que, hoje, está a espera de financiamento para os equipamentos. E Santiago, 25 anos, poeta, que não poupa esforços para nos dar uma mão com os livretos das audicões e com sua voz precisa e tierna.


[1] Mestre.Médica sanitarista diplomada en Nutricão e em Desenvolvimento local e Economia Social. Docente da Escola de Medicina da Universidade Nacional de Comahue (Argentina). web : http://www.acores.com.ar/ ; http://coresyfreyre.blogspot.com/ ; http://husct8.blogspot.com/ ; angelicacores@speedy.com.ar
[2] Brasil inteiro me abraça desde um mundo quase sempre virtual./Agradeço a todos a companhia que tem significado em minha solitária busca de uma saída para falar um idioma amoroso universal/Com vocês construí a maturidade que me permite estar com Outros, aqueles com quem compartilho o cotidiano caminhar, cheio de alegrias e tremendas desilusões./- O caminho de autenticidade que escolhi é duro./Tenho dúvidas com todos. /Com os mais sábios/os mais institucionais/os mais ternos/os mais inocentes./Unida aos melhores lutadores pela saúde popular no Brasil, tenho a honra de me sentir latinoamericana. / Que este seja um encontro também de beleza!
[3] Okupa : pessoa que está ilegalmente em uma habitação ou em um terreno.
[4] Ir al pié : submeter-se a que os moradores conduzam a tarefa comum.
[5] Programa Auto CPG: autoCuidado – autoProdução –autoGestão, desenhado para Saúde Pública por Angélica Cores em 1991.

[6] panzona : com abdomen gordo.

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